segunda-feira, 11 de novembro de 2013

LEMBRANÇAS DO PASSADO


I - Nos anos 70 e 80 passados, na Europa e nos Estados Unidos, inúmeros Psiquiatras e Psicólogos divulgaram suas práticas psicoterápicas, nas quais, durante o processo hipnótico, seus pacientes relatavam lembranças de vidas passadas. Algumas vezes, estes profissionais não tinham qualquer conhecimento sobre a possibilidade de se viver outras vidas, sendo surpreendidos por tais relatos. Muitos livros foram escritos sobre estas experiências psicoterapêuticas, apoiadas em lembranças de um possível passado remoto.
 
Encantados com os resultados descritos por esses profissionais, psicoterapeutas brasileiros viajaram para os Estados Unidos e Europa na busca dessas técnicas psicoterápicas, confirmando os resultados e a segurança para o paciente ao serem aplicadas na prática de consultório. Além disto, desde os anos 90, psicoterapeutas americanos e europeus estiveram entre nós divulgando suas experiências e ensinando suas técnicas, aumentando bastante por aqui a quantidade de psicoterapeutas ligados a esta escola da Psicologia. Hoje, no Brasil, há diversos centros de estudo e de prática clínica, onde se considera a hipótese de ocorrerem lembranças de vidas passadas, durante o processo psicoterápico com o paciente em estado hipnótico.
 
É importante sinalizar para o fato de que tais lembranças ocorrem espontaneamente no processo psicoterápico, sem que o psicoterapeuta conduza o paciente a uma regressão de memória. De modo geral, o processo associativo ocorre a partir de uma palavra dita pelo psicoterapeuta, de um sentimento ligado a uma situação narrada pelo paciente, ou da expressão de uma emoção caracterizando um sofrimento. Neste processo, sistematicamente, as associações encaminham-se para a origem, para o momento no qual o significado se deu e, também, revelando como as cadeias associativas foram construídas até o presente, ‘eternizando’ a dor e o desconforto do paciente.
 
Durante o processo, o psicoterapeuta pede para o paciente deixar fluir pensamentos, sentimentos e emoções, não julgando ou procurando entende-los, criticá-los, que apenas deixe acontecer e verbalize o que pensa ou sente. Esta espontaneidade associativa garante que o processo psíquico do paciente está norteando o tratamento, não as ideias pré-concebidas do psicoterapeuta acerca dos motivos do sofrimento, ou em que época vida do paciente tais motivos ocorreram.
 
A regressão conduzida é comum em processos hipnóticos orientados às lembranças objetivas, como ocorre na Psicologia Forense em relação ao retrato falado e a detalhes de algum acontecimento, não sendo apropriada em psicoterapia. As técnicas, nas quais o psicoterapeuta conduz a regressão, são conhecidas com técnicas diretivas, enquanto as adotadas normalmente em psicoterapia chamam-se de técnicas não diretivas, por seguir as associações do paciente sem induzir um caminho, ou recordação específica.
 
Nos livros e vídeos dos profissionais europeus e americanos sobre o tema, percebe-se que as técnicas não diretivas induzem o paciente a um estado chamado de consciência ampliada, no qual ocorrem espontaneamente as referidas lembranças. A consciência ampliada é comum quando alguém se encontra no estado hipnótico, como se comprova em textos dos últimos duzentos anos. Este estado caracteriza-se por um desligamento da consciência do aqui e do agora, levando o hipnotizado a um mergulho ao interior de si mesmo, provocando o aflorar de imagens e histórias de épocas passadas, ou remotas. Enredos e personagens são reconhecidos pelo hipnotizado como parte da sua vida, como algo que aconteceu com ele, fazendo parte de sua memória.
 
Mesmo as que se referem a um passado remoto, as recordações estão sempre ligadas às questões relacionadas ao sofrimento atual, como que sinalizando para um início, no qual o sentimento e a intenção, isto é, o propósito do modo de ser atual do paciente se revela em acontecimentos do seu passado. Assim sendo, a origem do sofrimento pode estar no passado recente, ou se repetir desde um passado remoto, numa compulsão à repetição, a impedir a felicidade e a evolução espiritual. Entregue ao processo associativo, a consciência do paciente conecta-se à estrada da causa e do efeito, iluminando possíveis razões para o seu sofrimento através das encarnações.
 
Sofrimento que sempre oscila entre episódios traumáticos, nos quais o paciente esteve passivamente situado, bem como em ações geradoras de sofrimento alheio, plenas de culpa, ainda sem real arrependimento. Muitas vezes, as recordações apontam para uma indiferença diante do sofrimento alheio. Neste caso, embora sem agir diretamente, o paciente observou sem interferir, sem socorrer, participando indiretamente do sofrimento alheio. Nestes dois possíveis inícios, a culpa seria a origem do sofrimento, enquanto, no primeiro, a dor e a impossibilidade de defesa estariam presentes diante da hiperpotência da natureza ou do poder dos homens, caracterizando um trauma a marcar a existência do paciente.
 
Esclarecendo melhor, do ponto de vista da psicoterapia, estas lembranças sempre falam de acontecimentos, de ações, mas, também, das dores, rancores, amores, pendores, enfim, do que eventualmente determina o modo de ser do paciente. Como parece ter ficado esclarecido, a diferença para a Psicologia tradicional estaria no fato de se admitir a hipótese da reencarnação, considerando-se que a causa do sofrimento atravessa o tempo, não se resumindo ao passado recente. Portanto, a técnica psicoterápica não diretiva, com o paciente em estado hipnótico, não objetiva a recordação de vidas passadas. Esta só ocorre espontaneamente, com o processo associativo deslizando pelas memórias marcadas na consciência, que guarda a causa e o caminho até ao sofrimento atual.
 
Curiosamente, os episódios do passado assemelham-se aos do presente, revelando o verdadeiro Ser do paciente, a conduzir seu modo de ser, como se o mesmo sofrer de uma encarnação recordada se repetisse na atual. Funciona como uma luz sobre os sentimentos a mover as ações do passado, sobre a percepção de sua atualidade, sobre a repetição do mesmo. No processo, não cabe tentar provar a veracidade dos relatos do paciente, na medida em que está falando a verdade sobre si mesmo, eventualmente de modo figurado e metafórico, em suas histórias contadas. Contudo, sempre estará falando de si, de seu modo de ser, que, certamente, repete-se no aqui e no agora, fazendo-o sofrer.
 
Durante o processo, algumas vezes, identifica-se uma condensação de acontecimentos semelhantes na recordação, sugerindo que a lembrança refere-se a um conjunto de encarnações num mesmo episódio descrito. Todas estas recordações são movidas pelo mesmo sentimento, em torno do qual se aglutinam ao se manifestarem na consciência do paciente. Este fato demonstra que o paciente estaria repetindo suas dores, sem evoluir espiritualmente por estar aprisionado a algum motivo (prováveis trauma ou culpa), que o faz repetir-se vida após vida.
 
Lembrando-se do passado, descobrindo as razões que o levam a marcar passo pelas encarnações, situação a refletir-se na vida atual retirando-o do fluxo da evolução espiritual a depender da transformação dos sentimentos, o paciente tem a oportunidade de mudar seu presente e abrir as possibilidades de futuro. Isto é, tem a oportunidade de mudar seu futuro, de liberá-lo da repetição, caso assim o deseje em seu Livre Arbítrio.
 
Quando o paciente descobre que a natureza de suas ações presentes é uma repetição movida pelo mesmo sentimento, pela mesma estrutura de intenções, desde seu passado mais remoto; quando descobre que seus sentimentos, a induzir seu modo de ser, são o motivo de seus sofrimentos atuais; ele tem a oportunidade de recuperar a liberdade, para escolher entre transformar sentimentos e intenções, que o impedem de superar a compulsão à repetição, ou seguir nela aprisionado sentindo o mesmo sofrer, sempre de acordo com seu livre arbítrio.
 
II - De modo geral, os profissionais da Psicologia resumem seus escritos na constatação do fato de que a consciência do paciente se amplia quando em estado hipnótico, sem descortinar os motivos para que isto aconteça. Tais motivos podem estar dispersos nos textos Espíritas elaborados por Kardec, merecendo alargar a pesquisa sobre este assunto.
 
Como se sabe, O Livro dos Espíritos, em seu Livro Segundo, Capítulo VIII, aborda o fenômeno Emancipação da Alma (aqui referida como Espírito encarnado). Na questão 455, Kardec faz um resumo e comentário sobre as causas e os efeitos deste fenômeno, descrevendo quando ocorre a emancipação da Alma e o que acontece neste momento. Um destes momentos acontece com o sujeito em estado hipnótico, como sonâmbulo, segundo Kardec e a definição de seu tempo.
 
Ouçamos Kardec (L. E. p. 216) dizendo algumas coisas surpreendentes:
O Espirito adquire um acréscimo de conhecimentos e de experiências em cada uma das existências corpóreas. Esquece-os, em parte, durante sua encarnação numa matéria demasiado grosseira, mas recorda-se como Espírito. É assim que certos sonâmbulos revelam conhecimentos superiores ao seu grau de instrução, e mesmo à sua capacidade intelectual aparente.
 
Quando a Alma se emancipa do corpo físico durante o estado hipnótico, ela recupera alguns atributos próprios dos Espíritos, na medida em que se livra, em parte, das amarras da matéria. Este seria o caso dos sonâmbulos, isto é, daqueles que, em estado hipnótico, a Alma emancipada lembra-se de seu passado. Vejamos o que diz Kardec (L, E. p. 215) na mesma questão 455:
 
A causa da clarividência do sonambulismo magnético e do sonambulismo natural são a mesma: um atributo da alma, uma faculdade inerente a todas as partes do ser incorpóreo que existe em nós, e que não tem limites além dos que são assinalados à própria alma. O sonâmbulo vê em toda parte a que sua alma possa transportar-se, qualquer que seja a distância.
 
Como que sugerindo o processo psicoterapêutico com o paciente em estado hipnótico (sonambulismo, segundo Kardec), no qual a Alma se emancipa do corpo físico adquirindo atributos próprios dos Espíritos, Kardec (L. E. p. 214) surpreende mais uma vez: “Para o Espiritismo, o sonambulismo é mais que um fenômeno fisiológico, é uma luz projetada sobre a Psicologia. É nele que se pode estudar a alma, porque é nele que ela se mostra a descoberto”.
 
Acreditamos estar diante do evidente pioneirismo de Kardec, acerca do processo psicoterápico, que considera a hipótese do paciente lembrar-se de vidas anteriores. Contudo, a fim de que possamos caminhar sobre bases sólidas, daremos um mergulho mais fundo no O Livro dos Espíritos, descobrindo o que lá está dito sobre este assunto.
 
III - É oportuno lembrar que o Espiritismo se sustenta em três colunas mestras: religião, filosofia e ciência. Os Espíritos e Kardec assim propuseram, para que, com o entrelaçamento destas três visões de mundo, não ficássemos aprisionados em dogmas religiosos, no pendular da Filosofia, ou no materialismo da Ciência e, no isolamento de um destes olhares, esquecêssemo-nos da complexidade das experiências reais à nossa volta.
 
O Espiritismo procura escapar do reducionismo de uma única ‘janela’ a observar os fenômenos do mundo, como ocorreu diante da realidade das ‘mesas girantes’, ou do que se observava no sonambulismo e a emancipação da Alma.
 
As respostas dos Espíritos, ouvidas por Kardec, nutrem-se nesses três pilares do pensamento humano. Esta seria a razão para a afirmação de que o Espiritismo é uma fé raciocinada, livre dos dogmas que aprisionam as religiões tradicionais na repetição dos rituais. Assim, ciência, filosofia e religião se misturam no Espiritismo, para nos dizer, quem somos, de onde viemos e para onde vamos, e, principalmente, dizer-nos as razões para nossa existência.
 
De qualquer forma, é preciso tomar posição numa das pontas desse triângulo, a fim de que o discurso possa ser desenvolvido, embora sem esquecer os demais vértices. Tomemos posição no vértice da ciência e descubramos o que diz O Livro dos Espíritos (L.E.) a respeito do que já foi dito até aqui.
 
Como já se repetiu fartamente, quando a consciência alcança o estado hipnótico, A Alma emancipa-se do corpo físico, a memória se alarga e as lembranças despertam. Sabe-se, também, que alguns trechos de O Livro dos Espíritos (L.E.) sugerem que o esquecimento ocorre para o bem do indivíduo, caso contrário, ele se perderia a navegar por fatos sem importância para a vida atual. Contudo, se há um estado natural da consciência, no qual as lembranças despertam, inclusive aquelas de outras vidas, não haveria uma contradição entre a natureza humana e o que dizem os Espíritos? Provavelmente não é assim.
 
Dando um primeiro passo, penso ser importante destacar um trecho de Kardec existente na Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, no início do L.E.. Nesta Introdução, Kardec elabora alguns argumentos contestando críticas severas direcionadas às teses Espíritas. Ali, o codificador do Espiritismo argumenta sobre o “sonambulismo acordado” e o “magnetismo”, termos usados na época para o estado hipnótico e às técnicas para induzi-lo, respectivamente. O núcleo da crítica situava-se na afirmação de que tudo acontecia a partir do hipnotizado, não se comprovando a existência de alguma influência espiritual externa. Vejamos o que disse Kardec (L. E. p. 55):
 
Para a primeira dessas teorias, todas as manifestações atribuídas aos Espíritos seriam apenas efeitos magnéticos. Os médiuns ficariam num estado que se poderia chamar de sonambulismo acordado, fenômeno conhecido de todos os que estudaram o magnetismo. Neste estado as faculdades intelectuais adquirem um desenvolvimento anormal, os círculos da percepção intuitiva se ampliam além dos limites de nossa percepção ordinária. Dessa maneira, o médium tiraria de si mesmo e por efeito de sua lucidez tudo quanto diz e todas as noções que transmite, mesmo sobre coisas que lhe sejam mais estranhas.
Não seremos nós quem contestará o poder do sonambulismo, cujos prodígios presenciamos, estudando-lhe todas as facetas, durante mais de trinta e cinco anos. Concordamos que, de fato, muitas manifestações espíritas podem ser explicadas por este meio. Mas uma observação prolongada e atenta mostra uma multidão de fatos em que a participação do médium, a não ser como instrumento passivo, é materialmente impossível. Aos que participam desta opinião, diremos como já dissemos aos outros: Vede e observai, porque seguramente ainda não viste tudo.
 
No trecho acima, Kardec faz uma afirmação curiosa, ao dizer que no sonambulismo/estado hipnótico a percepção se alarga, tendo estudado este prodígio por mais de trinta e cinco anos. Diante desta afirmação, talvez seja possível concluir que Kardec estudou o magnetismo/indução hipnótica e o sonambulismo/estado hipnótico muito antes de produzir O Livro dos Espíritos, tendo presenciado a emancipação da Alma por diversas vezes, bem como os fenômenos daí decorrentes.
 
Diante disso, talvez seja possível se pensar que o sonambulismo/estado hipnótico tenha sido a porta de entrada para o interesse de Kardec pela comunicação espiritual, provavelmente pelas razões que serão abordadas mais adiante.
 
Deslizando pelas páginas do L.E., no qual as perguntas de Kardec e as respostas dos Espíritos vão descortinando, paulatinamente, um universo até então pouco estudado, chega-se ao capítulo VIII do Livro Segundo, Emancipação da Alma. Neste capítulo, como já dissemos anteriormente, em suas questões aos Espíritos, Kardec aborda as situações, nas quais o Espírito encarnado, ali chamado de Alma, recupera alguns atributos dos desencarnados ao se emancipar do corpo físico.
 
Dentre os atributos referidos, destaca-se a possibilidade da Alma (Espírito encarnado) adentrar o mundo espiritual, embora esteja ligada fortemente ao corpo físico. Assim, tal como ocorre com os Espíritos, a Alma lembra-se de algumas situações de seu passado remoto, sempre em função das circunstâncias bem exploradas por Kardec. Provavelmente, Kardec vivenciou esta experiência durante seus estudos sobre o sonambulismo/estado hipnótico, abrindo sua perspectiva para o que viria depois. Como que amarrando o assunto, na questão 455, Kardec elabora um resumo desse capítulo.
 
Sempre cuidadoso, como que alertando sobre os efeitos das lembranças, no capítulo anterior, Kardec pergunta (L. E. q.392 e q.393) por que o Espírito encarnado perde a lembrança do passado e, ao não se lembrar do passado, como poderá resgatá-lo. A longa resposta adverte sobre as causas do esquecimento e as consequências das lembranças, estas podendo retirar-nos do presente, dificultando o nosso desenvolvimento. Contudo, fala que intuímos este passado, no Bem e no Mal que fizemos, a se manifestar em nossas tendências instintivas, naquilo que vivenciamos na presente encarnação.
 
Nada mais atual sob o ponto de vista da psicoterapia, que tem a reencarnação como hipótese de trabalho.
 
Estas tendências seriam regidas pelos sentimentos, que deram significado às ações passadas e as impulsionaram para o Bem ou para o Mal, condensando, no presente, o que realmente fomos e ainda somos. Para evoluir no que seremos, será preciso mudar, deixar de ser o que se é. Assim, quando miramos a nós mesmos, quando mergulhamos dentro de nós e descobrimos os sentimentos, que moveram e movem nossas ações, estaremos a um passo da transformação.
 
Para mudar, é preciso reconhecer o que deve ser mudado, se assim desejarmos, já que escolhemos por nós mesmos como será a nossa vida encarnada. É a força do Livre Arbítrio, iluminando o comentário de Kardec (p. 198) sobre a q. 299, existente no fim do capítulo VII e transcrito abaixo:
 
Chegado ao termo que a Providência marcou para sua vida errante, o Espírito escolhe por si mesmo as provas às quais deseja submeter-se, para apressar o seu adiantamento, ou seja, o gênero de existência que acredita mais apropriado a lhe fornecer os meios, e essas provas estão sempre relacionadas com as faltas que deve expiar. Se nelas triunfa, ele se eleva; se, sucumbe, tem de recomeçar.
 
Assim sendo, o Livre Arbítrio predomina sempre, sendo errôneas as interpretações sobre castigos em relação às eventuais faltas cometidas nas encarnações precedentes. O chamado castigo, na verdade, é um desafio que o Espírito faz a si próprio, estando imerso no reino do Livre Arbítrio, não estando submetido, neste caso, ao arbítrio de alguma “divindade” superior. A Lei deixa que a evolução, o desenvolvimento moral, a transformação do Ser, seja conduzida pelo próprio Espírito, apenas induzindo-o, pela força e palavras transmitidas pelos Irmãos Superiores, a repetir situações chamadas de penas em alguns trechos do L.E..
 
Na verdade, tais “penas” foram vivências anteriormente escolhidas pelo Espírito e que não foram superadas no passado. Isto é, os sentimentos a conduzir as ações ainda não se transformaram, a fim do Espírito poder seguir adiante, viajando pela Eternidade sem estar sob o domínio da compulsão à repetição.
 
Com este retorno às mesmas situações já vividas, estamos diante de uma força interna, que dificulta a evolução dos Espíritos e das Almas, forçando-os a repetir-se. Curiosamente, mesmo intuindo que se encontra diante da repetição, , das consequências pelo que É e Foi, o Espírito anda em círculos, voltando como Alma sempre ao mesmo começo, às mesmas escolhas de experiências e sofrimentos, ao Ser que se repete.
 
O aconselhamento praticado nas Casas Espíritas, pilar de sustentação da Religião Espírita, é fórmula eficaz de libertação de Espíritos e Almas. Não obstante esta verdade, o que se procura identificar, neste texto, é o outro caminho possível indicado por Kardec e os Irmão Superiores a partir da ciência, sempre em harmonia com os pilares da religião e da filosofia.
 
No capítulo VII, sustentando-se a perspectiva científica, há um esclarecimento sobre em que condições acontecem as recordações do passado remoto. Aprofundando a questão, Kardec pergunta (q.397) se em existências mais elevadas as lembranças de vidas anteriores é mais precisa. A resposta é interessante, já que o Espírito informa que “à medida que o corpo é menos material, recorda-se melhor” (p. 198)
 
Analogamente, a Alma emancipada recorda-se melhor.
 
Explorando um pouco mais a natureza das recordações e do estado de emancipação da Alma, como já foi esclarecido, ao se emancipar do corpo físico denso, a Alma tende a vivenciar o mundo espiritual, onde esteve muitas vezes desde o início. São pontos aprofundados e bem esclarecidos no O Livro dos Médiuns capítulo XIV e nas Obras Póstumas em Dos Médiuns e em Causa e Natureza da Clarividência Sonambúlica.
 
Retrocedendo um pouco no L.E., descobrimos no capítulo que aborda a vida Espírita, uma pergunta interessante de Kardec (q.223) sobre o tempo de vida errante e a reencarnação dos Espíritos, o que, talvez, traga alguns esclarecimentos. Vejamos a resposta do Irmão da Verdade:
 
Às vezes, imediatamente, mas, na maioria das vezes, depois de intervalos mais ou menos longos. Nos mundos superiores a reencarnação é quase imediata. A matéria corpórea sendo menos grosseira, o Espírito encarnado goza de quase todas as faculdades dos Espíritos. Seu estado normal é o dos vossos sonâmbulos lúcidos.
 
Se, nos mundos superiores, o estado normal dos Espíritos assemelha-se ao dos sonâmbulos/estado hipnótico lúcidos, isto parece dizer que a Psicologia estaria no caminho certo ao considerar a possibilidade do paciente recordar existências passadas, quando em estado hipnótico. A resposta parece resumir tudo o que se disse até aqui, ao falar que os sonâmbulos/estado hipnótico lúcidos, com a Alma emancipada, gozam de quase todas as faculdades do Espírito, o que Kardec chamou de atributos.
 
Resta-nos, agora, identificar as razões que permitem a recordação de vidas anteriores pela Alma emancipada do corpo físico. No fim do capítulo VIII, como já reproduzimos na Parte I e agora, repetimos, Kardec faz um comentário (q.455, p 216), que resume de forma brilhante a sequência de questões e respostas exploradas ao longo do capítulo. O que lá diz, não menciona explicitamente a capacidade da Alma emancipada recordar-se de vidas anteriores, contudo, é possível se estabelecer algumas analogias.
 
O Espírito adquire um acréscimo de conhecimentos e de experiências em cada uma de suas existências corpóreas. Esquece-os, em parte, durante sua encarnação numa matéria grosseira, mas recorda-os como Espírito. É assim que certos sonâmbulos revelam conhecimentos superiores ao seu grau de instrução, e mesmo à sua capacidade intelectual aparente.
 
Kardec estaria dizendo que a Alma emancipada durante o sonambulismo/estado hipnótico seria capaz de se recordar de existências anteriores, tal como ocorre com os Espíritos. Se estivermos certos nesta interpretação, restaria identificar os limites, dentre os quais a recordação acontece durante o sonambulismo/Estado hipnótico.
 
Se a condição da Alma emancipada assemelha-se a dos Espíritos, por tudo o que já foi dito até aqui, provavelmente a Lei que permite recordar encarnações passadas seria a mesma para a Alma emancipada e para os Espíritos. Assim sendo, encontramos Kardec perguntando (q.308, p 174) se o Espírito se lembra de todas as existências, que precederam a que acabou de deixar. Em resposta, o Espírito da Verdade disse-lhe:
 
Todo o seu passado se desenrola diante dele como as etapas de um caminho que o viajante percorreu. Mas, como já dissemos, ele não se lembra de maneira absoluta, de todos os atos, recordando-os apenas em razão da influência que tenham sobre o estado presente. Quanto às primeiras existências, as que se podem considerar como a infância do Espírito, perdem-se no vazio e desaparecem na noite do esquecimento.
 
Assim posto, conclui-se que a Alma, ao se emancipar do corpo físico e recuperar alguns atributos dos Espíritos, recorda-se apenas do que influencia, de alguma maneira, o seu estado atual, isto é, sua existência como Espírito encarnado; influencia, por assim dizer, o fluxo de sua evolução, fazendo-a vivenciar, nas recordações, sofrimentos a serem superados; sofrimentos decorrentes de vivências em encarnações passadas e que, sob a Lei do Livre Arbítrio, foram escolhidos pela própria Alma. Ao recordar-se de seu passado e das razões que a levaram a escolher os sofrimentos do presente, a Alma fica de frente com dois caminhos a escolher, o da evolução, ou o do aprisionamento ao ciclo repetitivo das encarnações.
 
Bem à frente, no L.E., Kardec preocupa-se com os Espíritos renitentes, que não se aproveitam da reencarnação para evoluir moralmente. Assim, pergunta (q.994, p. 398) se o homem perverso reconhecerá suas faltas depois da morte. A resposta é bastante interessante, podendo esclarecer alguns pontos sobre o valor da Alma olhar para dentro de si mesma, recordar e meditar sobre seu passado.
 
Sim, sempre as reconhece e então sofre mais porque sente todo o mal que praticou ou do qual foi causa voluntária. Entretanto, o arrependimento nem sempre é imediato. Há Espíritos que se obstinam no mau caminho apesar dos sofrimentos, mas cedo ou tarde reconhecerão haver tomado uma senda falsa e o arrependimento se manifestará. É para esclarecer que os bons Espíritos trabalham e que vós mesmos podeis trabalhar.
 
Sem a necessidade de sistematicamente repetir que a Lei do Livre Arbítrio mantem-se como reguladora das experiências da Alma e do Espírito, a resposta acima esclarece que, tal como os Espíritos, a Alma emancipada do corpo físico pode reconhecer suas faltas e os motivos de seu sofrimento, surgindo a possibilidade de mudar e evoluir moralmente, segundo suas próprias decisões.
 
Kardec pergunta (q.1000, p. 399) se podemos nós, já nesta vida, resgatar nossas faltas. A resposta é cheia de esperança, confirmando sempre a Lei do Livre Arbítrio.
 
Sim, reparando-as. (...) O mal só é reparado pelo bem, e a reparação não tem mérito algum, se não atingir o homem no seu orgulho ou nos interesses materiais. (...) De que lhe serve, enfim, humilhar-se diante de Deus, se conserva o seu orgulho diante dos homens?
 
Assim sendo, a ciência psicológica enriqueceu-se com a possibilidade de estender a possibilidade de tratamento a todo espectro da existência do Princípio Inteligente, isto é, dos Espíritos e das Almas. Assim, sem alterar as técnicas comuns desenvolvidas nos consultórios de psicoterapia, o paciente se mostra por inteiro durante a emancipação da Alma, como nas palavras de Kardec transcritas acima.
 
A possibilidade de se recordar existências passadas passa a fortalecer enormemente as teorias psicológicas atuais, libertando-as de um beco sem saída causado pelo materialismo da ciência. Muito além de apenas superar traumas e desejos proibidos, a psicoterapia em estado hipnótico revela o passado e os sentimentos que moveram a Alma em diferentes situações, em diferentes encarnações. De tanto testemunhar seus sentimentos egoístas e perversos, causadores de seus verdadeiros sofrimentos, a Alma fica diante da Lei do Livre Arbítrio, podendo decidir se continua sendo como é, ou se transforma em amor e compaixão, opostos ao egoísmo e à perversão.
 
Se convencida de que o cerne está na transformação dos sentimentos, a mudança interna a levará às vivências de amor e compaixão, compensadoras dos sentimentos negativos repetidos durante suas vivências como Espírito e Alma. Mesmo longe da Perfeição, transformando-se retorna ao fluxo do desenvolvimento espiritual, distanciando-se dos sofrimentos causados pela compulsão à repetição do que a faz sofrer.
 
 
REFERÊNCIAS
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. São Paulo, LAKE – tradução de J. Herculano Pires.
_____: O Livro dos Médiuns. São Paulo, LAKE – tradução de J. Herculano Pires.
_____: Obras Póstumas. São Paulo, LAKE – tradução de Sylvia Mele Pereira da Silva.
 
BIBLIOGRAFIA DE APOIO
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GODOY, Hermínia. P. (Org) Terapia da Regressão. São Paulo, Cultrix, 2000.
NETHERTON, Morris. Vida Passada: uma abordagem psicoterápica. São Paulo, Summus, 1997.
PINCHERLE, Lívio, T. (Org). Terapia de Vida Passada: uma abordagem profunda do inconsciente. São Paulo, Summus, 1990.
TENDAN, Hans. Cura profunda: a metodologia da terapia de vida passada. São Paulo, Summus, 1997.
WEISS, Brian. A cura através da Terapia de Vidas Passadas. Rio de Janeiro, Sextante, 1996.
WOOGLER, Roger J. As várias vidas da alma. São Paulo, Cultrix, 2004.