I - Nos anos
70 e 80 passados, na Europa e nos Estados Unidos, inúmeros Psiquiatras e
Psicólogos divulgaram suas práticas psicoterápicas, nas quais, durante o
processo hipnótico, seus pacientes relatavam lembranças de vidas passadas.
Algumas vezes, estes profissionais não tinham qualquer conhecimento sobre a
possibilidade de se viver outras vidas, sendo surpreendidos por tais relatos.
Muitos livros foram escritos sobre estas experiências psicoterapêuticas, apoiadas
em lembranças de um possível passado remoto.
Encantados com os resultados descritos por esses
profissionais, psicoterapeutas brasileiros viajaram para os Estados Unidos e
Europa na busca dessas técnicas psicoterápicas, confirmando os resultados e a
segurança para o paciente ao serem aplicadas na prática de consultório. Além
disto, desde os anos 90, psicoterapeutas americanos e europeus estiveram entre
nós divulgando suas experiências e ensinando suas técnicas, aumentando bastante
por aqui a quantidade de psicoterapeutas ligados a esta escola da Psicologia.
Hoje, no Brasil, há diversos centros de estudo e de prática clínica, onde se
considera a hipótese de ocorrerem lembranças de vidas passadas, durante o
processo psicoterápico com o paciente em estado hipnótico.
É importante sinalizar para o fato de que tais lembranças
ocorrem espontaneamente no processo psicoterápico, sem que o psicoterapeuta
conduza o paciente a uma regressão de memória. De modo geral, o processo
associativo ocorre a partir de uma palavra dita pelo psicoterapeuta, de um
sentimento ligado a uma situação narrada pelo paciente, ou da expressão de uma
emoção caracterizando um sofrimento. Neste processo, sistematicamente, as
associações encaminham-se para a origem, para o momento no qual o significado
se deu e, também, revelando como as cadeias associativas foram construídas até
o presente, ‘eternizando’ a dor e o desconforto do paciente.
Durante o processo, o psicoterapeuta pede para o paciente
deixar fluir pensamentos, sentimentos e emoções, não julgando ou procurando
entende-los, criticá-los, que apenas deixe acontecer e verbalize o que pensa ou
sente. Esta espontaneidade associativa garante que o processo psíquico do
paciente está norteando o tratamento, não as ideias pré-concebidas do
psicoterapeuta acerca dos motivos do sofrimento, ou em que época vida do
paciente tais motivos ocorreram.
A regressão conduzida é comum em processos hipnóticos orientados
às lembranças objetivas, como ocorre na Psicologia Forense em relação ao
retrato falado e a detalhes de algum acontecimento, não sendo apropriada em
psicoterapia. As técnicas, nas quais o psicoterapeuta conduz a regressão, são
conhecidas com técnicas diretivas, enquanto as adotadas normalmente em
psicoterapia chamam-se de técnicas não diretivas, por seguir as associações do
paciente sem induzir um caminho, ou recordação específica.
Nos livros e vídeos dos profissionais europeus e
americanos sobre o tema, percebe-se que as técnicas não diretivas induzem o
paciente a um estado chamado de consciência ampliada, no qual ocorrem espontaneamente
as referidas lembranças. A consciência ampliada é comum quando alguém se
encontra no estado hipnótico, como se comprova em textos dos últimos duzentos
anos. Este estado caracteriza-se por um desligamento da consciência do aqui e
do agora, levando o hipnotizado a um mergulho ao interior de si mesmo, provocando
o aflorar de imagens e histórias de épocas passadas, ou remotas. Enredos e
personagens são reconhecidos pelo hipnotizado como parte da sua vida, como algo
que aconteceu com ele, fazendo parte de sua memória.
Mesmo as que se referem a um passado remoto, as
recordações estão sempre ligadas às questões relacionadas ao sofrimento atual,
como que sinalizando para um início, no qual o sentimento e a intenção, isto é,
o propósito do modo de ser atual do paciente se revela em acontecimentos do seu
passado. Assim sendo, a origem do sofrimento pode estar no passado recente, ou
se repetir desde um passado remoto, numa compulsão à repetição, a impedir a
felicidade e a evolução espiritual. Entregue ao processo associativo, a
consciência do paciente conecta-se à estrada da causa e do efeito, iluminando
possíveis razões para o seu sofrimento através das encarnações.
Sofrimento que sempre oscila entre episódios traumáticos,
nos quais o paciente esteve passivamente situado, bem como em ações geradoras de
sofrimento alheio, plenas de culpa, ainda sem real arrependimento. Muitas
vezes, as recordações apontam para uma indiferença diante do sofrimento alheio.
Neste caso, embora sem agir diretamente, o paciente observou sem interferir,
sem socorrer, participando indiretamente do sofrimento alheio. Nestes dois
possíveis inícios, a culpa seria a origem do sofrimento, enquanto, no primeiro,
a dor e a impossibilidade de defesa estariam presentes diante da hiperpotência
da natureza ou do poder dos homens, caracterizando um trauma a marcar a
existência do paciente.
Esclarecendo melhor, do ponto de vista da psicoterapia,
estas lembranças sempre falam de acontecimentos, de ações, mas, também, das
dores, rancores, amores, pendores, enfim, do que eventualmente determina o modo
de ser do paciente. Como parece ter ficado esclarecido, a diferença para a
Psicologia tradicional estaria no fato de se admitir a hipótese da
reencarnação, considerando-se que a causa do sofrimento atravessa o tempo, não
se resumindo ao passado recente. Portanto, a técnica psicoterápica não
diretiva, com o paciente em estado hipnótico, não objetiva a recordação de
vidas passadas. Esta só ocorre espontaneamente, com o processo associativo deslizando
pelas memórias marcadas na consciência, que guarda a causa e o caminho até ao
sofrimento atual.
Curiosamente, os episódios do passado assemelham-se aos
do presente, revelando o verdadeiro Ser do paciente, a conduzir seu modo de ser,
como se o mesmo sofrer de uma encarnação recordada se repetisse na atual. Funciona
como uma luz sobre os sentimentos a mover as ações do passado, sobre a
percepção de sua atualidade, sobre a repetição do mesmo. No processo, não cabe
tentar provar a veracidade dos relatos do paciente, na medida em que está
falando a verdade sobre si mesmo, eventualmente de modo figurado e metafórico,
em suas histórias contadas. Contudo, sempre estará falando de si, de seu modo
de ser, que, certamente, repete-se no aqui e no agora, fazendo-o sofrer.
Durante o processo, algumas vezes, identifica-se uma condensação
de acontecimentos semelhantes na recordação, sugerindo que a lembrança
refere-se a um conjunto de encarnações num mesmo episódio descrito. Todas estas
recordações são movidas pelo mesmo sentimento, em torno do qual se aglutinam ao
se manifestarem na consciência do paciente. Este fato demonstra que o paciente estaria
repetindo suas dores, sem evoluir espiritualmente por estar aprisionado a algum
motivo (prováveis trauma ou culpa), que o faz repetir-se vida após vida.
Lembrando-se do passado, descobrindo as razões que o
levam a marcar passo pelas encarnações, situação a refletir-se na vida atual retirando-o
do fluxo da evolução espiritual a depender da transformação dos sentimentos, o
paciente tem a oportunidade de mudar seu presente e abrir as possibilidades de
futuro. Isto é, tem a oportunidade de mudar seu futuro, de liberá-lo da
repetição, caso assim o deseje em seu Livre Arbítrio.
Quando o paciente descobre que a natureza de suas ações
presentes é uma repetição movida pelo mesmo sentimento, pela mesma estrutura de
intenções, desde seu passado mais remoto; quando descobre que seus sentimentos,
a induzir seu modo de ser, são o motivo de seus sofrimentos atuais; ele tem a
oportunidade de recuperar a liberdade, para escolher entre transformar sentimentos
e intenções, que o impedem de superar a compulsão à repetição, ou seguir nela
aprisionado sentindo o mesmo sofrer, sempre de acordo com seu livre arbítrio.
II - De modo
geral, os profissionais da Psicologia resumem seus escritos na constatação do
fato de que a consciência do paciente se amplia quando em estado hipnótico, sem
descortinar os motivos para que isto aconteça. Tais motivos podem estar
dispersos nos textos Espíritas elaborados por Kardec, merecendo alargar a
pesquisa sobre este assunto.
Como se sabe, O Livro dos Espíritos, em seu Livro
Segundo, Capítulo VIII, aborda o fenômeno Emancipação da Alma (aqui referida
como Espírito encarnado). Na questão 455, Kardec faz um resumo e comentário
sobre as causas e os efeitos deste fenômeno, descrevendo quando ocorre a
emancipação da Alma e o que acontece neste momento. Um destes momentos acontece
com o sujeito em estado hipnótico, como sonâmbulo, segundo Kardec e a definição
de seu tempo.
Ouçamos Kardec (L. E. p. 216) dizendo algumas coisas
surpreendentes:
O Espirito adquire um acréscimo de conhecimentos e de
experiências em cada uma das existências corpóreas. Esquece-os, em parte,
durante sua encarnação numa matéria demasiado grosseira, mas recorda-se como
Espírito. É assim que certos sonâmbulos revelam conhecimentos superiores ao seu
grau de instrução, e mesmo à sua capacidade intelectual aparente.
Quando a Alma se emancipa do corpo físico durante o
estado hipnótico, ela recupera alguns atributos próprios dos Espíritos, na
medida em que se livra, em parte, das amarras da matéria. Este seria o caso dos
sonâmbulos, isto é, daqueles que, em estado hipnótico, a Alma emancipada
lembra-se de seu passado. Vejamos o que diz Kardec (L, E. p. 215) na mesma
questão 455:
A causa da clarividência do sonambulismo magnético e
do sonambulismo natural são a mesma: um atributo da alma, uma faculdade
inerente a todas as partes do ser incorpóreo que existe em nós, e que não tem
limites além dos que são assinalados à própria alma. O sonâmbulo vê em toda
parte a que sua alma possa transportar-se, qualquer que seja a distância.
Como que sugerindo o processo psicoterapêutico com o
paciente em estado hipnótico (sonambulismo, segundo Kardec), no qual a Alma se
emancipa do corpo físico adquirindo atributos próprios dos Espíritos, Kardec (L.
E. p. 214) surpreende mais uma vez: “Para o Espiritismo, o sonambulismo é mais que um fenômeno
fisiológico, é uma luz projetada sobre a Psicologia. É nele que se pode estudar
a alma, porque é nele que ela se mostra a descoberto”.
Acreditamos estar diante do evidente pioneirismo de
Kardec, acerca do processo psicoterápico, que considera a hipótese do paciente
lembrar-se de vidas anteriores. Contudo, a fim de que possamos caminhar sobre
bases sólidas, daremos um mergulho mais fundo no O Livro dos Espíritos, descobrindo
o que lá está dito sobre este assunto.
III - É oportuno
lembrar que o Espiritismo se sustenta em três colunas mestras: religião,
filosofia e ciência. Os Espíritos e Kardec assim propuseram, para que, com o
entrelaçamento destas três visões de mundo, não ficássemos aprisionados em
dogmas religiosos, no pendular da Filosofia, ou no materialismo da Ciência e, no
isolamento de um destes olhares, esquecêssemo-nos da complexidade das
experiências reais à nossa volta.
O Espiritismo procura escapar do reducionismo de uma
única ‘janela’ a observar os fenômenos do mundo, como ocorreu diante da
realidade das ‘mesas girantes’, ou do que se observava no sonambulismo e a
emancipação da Alma.
As respostas dos Espíritos, ouvidas por Kardec, nutrem-se
nesses três pilares do pensamento humano. Esta seria a razão para a afirmação
de que o Espiritismo é uma fé raciocinada, livre dos dogmas que aprisionam as
religiões tradicionais na repetição dos rituais. Assim, ciência, filosofia e
religião se misturam no Espiritismo, para nos dizer, quem somos, de onde viemos
e para onde vamos, e, principalmente, dizer-nos as razões para nossa
existência.
De qualquer forma, é preciso tomar posição numa das
pontas desse triângulo, a fim de que o discurso possa ser desenvolvido, embora
sem esquecer os demais vértices. Tomemos posição no vértice da ciência e
descubramos o que diz O Livro dos Espíritos (L.E.) a respeito do que já foi
dito até aqui.
Como já se repetiu fartamente, quando a consciência
alcança o estado hipnótico, A Alma emancipa-se do corpo físico, a memória se
alarga e as lembranças despertam. Sabe-se, também, que alguns trechos de O
Livro dos Espíritos (L.E.) sugerem que o esquecimento ocorre para o bem do
indivíduo, caso contrário, ele se perderia a navegar por fatos sem importância
para a vida atual. Contudo, se há um estado natural da consciência, no qual as
lembranças despertam, inclusive aquelas de outras vidas, não haveria uma
contradição entre a natureza humana e o que dizem os Espíritos? Provavelmente
não é assim.
Dando um primeiro passo, penso ser importante destacar um
trecho de Kardec existente na Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, no início
do L.E.. Nesta Introdução, Kardec elabora alguns argumentos contestando
críticas severas direcionadas às teses Espíritas. Ali, o codificador do
Espiritismo argumenta sobre o “sonambulismo acordado” e o “magnetismo”, termos
usados na época para o estado hipnótico e às técnicas para induzi-lo,
respectivamente. O núcleo da crítica situava-se na afirmação de que tudo
acontecia a partir do hipnotizado, não se comprovando a existência de alguma influência
espiritual externa. Vejamos o que disse Kardec (L. E. p. 55):
Para a primeira dessas teorias, todas as manifestações
atribuídas aos Espíritos seriam apenas efeitos magnéticos. Os médiuns ficariam
num estado que se poderia chamar de sonambulismo acordado, fenômeno conhecido
de todos os que estudaram o magnetismo. Neste estado as faculdades intelectuais
adquirem um desenvolvimento anormal, os círculos da percepção intuitiva se
ampliam além dos limites de nossa percepção ordinária. Dessa maneira, o médium
tiraria de si mesmo e por efeito de sua lucidez tudo quanto diz e todas as
noções que transmite, mesmo sobre coisas que lhe sejam mais estranhas.
Não seremos nós quem contestará o poder do
sonambulismo, cujos prodígios presenciamos, estudando-lhe todas as facetas,
durante mais de trinta e cinco anos. Concordamos que, de fato, muitas
manifestações espíritas podem ser explicadas por este meio. Mas uma observação
prolongada e atenta mostra uma multidão de fatos em que a participação do
médium, a não ser como instrumento passivo, é materialmente impossível. Aos que
participam desta opinião, diremos como já dissemos aos outros: Vede e observai,
porque seguramente ainda não viste tudo.
No trecho acima, Kardec faz uma afirmação curiosa, ao
dizer que no sonambulismo/estado hipnótico a percepção se alarga, tendo
estudado este prodígio por mais de trinta e cinco anos. Diante desta afirmação,
talvez seja possível concluir que Kardec estudou o magnetismo/indução hipnótica
e o sonambulismo/estado hipnótico muito antes de produzir O Livro dos Espíritos,
tendo presenciado a emancipação da Alma por diversas vezes, bem como os
fenômenos daí decorrentes.
Diante disso, talvez seja possível se pensar que o
sonambulismo/estado hipnótico tenha sido a porta de entrada para o interesse de
Kardec pela comunicação espiritual, provavelmente pelas razões que serão
abordadas mais adiante.
Deslizando pelas páginas do L.E., no qual as perguntas de
Kardec e as respostas dos Espíritos vão descortinando, paulatinamente, um
universo até então pouco estudado, chega-se ao capítulo VIII do Livro Segundo,
Emancipação da Alma. Neste capítulo, como já dissemos anteriormente, em suas
questões aos Espíritos, Kardec aborda as situações, nas quais o Espírito
encarnado, ali chamado de Alma, recupera alguns atributos dos desencarnados ao
se emancipar do corpo físico.
Dentre os atributos referidos, destaca-se a possibilidade
da Alma (Espírito encarnado) adentrar o mundo espiritual, embora esteja ligada
fortemente ao corpo físico. Assim, tal como ocorre com os Espíritos, a Alma
lembra-se de algumas situações de seu passado remoto, sempre em função das
circunstâncias bem exploradas por Kardec. Provavelmente, Kardec vivenciou esta
experiência durante seus estudos sobre o sonambulismo/estado hipnótico, abrindo
sua perspectiva para o que viria depois. Como que amarrando o assunto, na
questão 455, Kardec elabora um resumo desse capítulo.
Sempre cuidadoso, como que alertando sobre os efeitos das
lembranças, no capítulo anterior, Kardec pergunta (L. E. q.392 e q.393) por que
o Espírito encarnado perde a lembrança do passado e, ao não se lembrar do
passado, como poderá resgatá-lo. A longa resposta adverte sobre as causas do
esquecimento e as consequências das lembranças, estas podendo retirar-nos do
presente, dificultando o nosso desenvolvimento. Contudo, fala que intuímos este
passado, no Bem e no Mal que fizemos, a se manifestar em nossas tendências
instintivas, naquilo que vivenciamos na presente encarnação.
Nada mais atual sob o ponto de vista da psicoterapia, que
tem a reencarnação como hipótese de trabalho.
Estas tendências seriam regidas pelos sentimentos, que
deram significado às ações passadas e as impulsionaram para o Bem ou para o
Mal, condensando, no presente, o que realmente fomos e ainda somos. Para
evoluir no que seremos, será preciso mudar, deixar de ser o que se é. Assim,
quando miramos a nós mesmos, quando mergulhamos dentro de nós e descobrimos os
sentimentos, que moveram e movem nossas ações, estaremos a um passo da
transformação.
Para mudar, é preciso reconhecer o que deve ser mudado,
se assim desejarmos, já que escolhemos por nós mesmos como será a nossa vida
encarnada. É a força do Livre Arbítrio, iluminando o comentário de Kardec (p.
198) sobre a q. 299, existente no fim do capítulo VII e transcrito abaixo:
Chegado ao termo que a Providência marcou para sua
vida errante, o Espírito escolhe por si mesmo as provas às quais deseja
submeter-se, para apressar o seu adiantamento, ou seja, o gênero de existência
que acredita mais apropriado a lhe fornecer os meios, e essas provas estão
sempre relacionadas com as faltas que deve expiar. Se nelas triunfa, ele se
eleva; se, sucumbe, tem de recomeçar.
Assim sendo, o Livre Arbítrio predomina sempre, sendo
errôneas as interpretações sobre castigos em relação às eventuais faltas
cometidas nas encarnações precedentes. O chamado castigo, na verdade, é um
desafio que o Espírito faz a si próprio, estando imerso no reino do Livre
Arbítrio, não estando submetido, neste caso, ao arbítrio de alguma “divindade”
superior. A Lei deixa que a evolução, o desenvolvimento moral, a transformação
do Ser, seja conduzida pelo próprio Espírito, apenas induzindo-o, pela força e
palavras transmitidas pelos Irmãos Superiores, a repetir situações chamadas de penas
em alguns trechos do L.E..
Na verdade, tais “penas” foram vivências anteriormente
escolhidas pelo Espírito e que não foram superadas no passado. Isto é, os
sentimentos a conduzir as ações ainda não se transformaram, a fim do Espírito
poder seguir adiante, viajando pela Eternidade sem estar sob o domínio da
compulsão à repetição.
Com este retorno às mesmas situações já vividas, estamos
diante de uma força interna, que dificulta a evolução dos Espíritos e das
Almas, forçando-os a repetir-se. Curiosamente, mesmo intuindo que se encontra
diante da repetição, , das consequências pelo que É e Foi, o Espírito anda em
círculos, voltando como Alma sempre ao mesmo começo, às mesmas escolhas de experiências
e sofrimentos, ao Ser que se repete.
O aconselhamento praticado nas Casas Espíritas, pilar de
sustentação da Religião Espírita, é fórmula eficaz de libertação de Espíritos e
Almas. Não obstante esta verdade, o que se procura identificar, neste texto, é o
outro caminho possível indicado por Kardec e os Irmão Superiores a partir da
ciência, sempre em harmonia com os pilares da religião e da filosofia.
No capítulo VII, sustentando-se a perspectiva científica,
há um esclarecimento sobre em que condições acontecem as recordações do passado
remoto. Aprofundando a questão, Kardec pergunta (q.397) se em existências mais
elevadas as lembranças de vidas anteriores é mais precisa. A resposta é
interessante, já que o Espírito informa que “à medida que o corpo é menos
material, recorda-se melhor” (p. 198)
Analogamente, a Alma emancipada recorda-se melhor.
Explorando um pouco mais a natureza das recordações e do
estado de emancipação da Alma, como já foi esclarecido, ao se emancipar do
corpo físico denso, a Alma tende a vivenciar o mundo espiritual, onde esteve
muitas vezes desde o início. São pontos aprofundados e bem esclarecidos no O
Livro dos Médiuns capítulo XIV e nas Obras Póstumas em Dos Médiuns e em Causa e
Natureza da Clarividência Sonambúlica.
Retrocedendo um pouco no L.E., descobrimos no capítulo
que aborda a vida Espírita, uma pergunta interessante de Kardec (q.223) sobre o
tempo de vida errante e a reencarnação dos Espíritos, o que, talvez, traga
alguns esclarecimentos. Vejamos a resposta do Irmão da Verdade:
Às vezes, imediatamente, mas, na maioria das vezes,
depois de intervalos mais ou menos longos. Nos mundos superiores a reencarnação
é quase imediata. A matéria corpórea sendo menos grosseira, o Espírito
encarnado goza de quase todas as faculdades dos Espíritos. Seu estado normal é
o dos vossos sonâmbulos lúcidos.
Se, nos mundos superiores, o estado normal dos Espíritos
assemelha-se ao dos sonâmbulos/estado hipnótico lúcidos, isto parece dizer que
a Psicologia estaria no caminho certo ao considerar a possibilidade do paciente
recordar existências passadas, quando em estado hipnótico. A resposta parece
resumir tudo o que se disse até aqui, ao falar que os sonâmbulos/estado
hipnótico lúcidos, com a Alma emancipada, gozam de quase todas as faculdades do
Espírito, o que Kardec chamou de atributos.
Resta-nos, agora, identificar as razões que permitem a
recordação de vidas anteriores pela Alma emancipada do corpo físico. No fim do
capítulo VIII, como já reproduzimos na Parte I e agora, repetimos, Kardec faz
um comentário (q.455, p 216), que resume de forma brilhante a sequência de
questões e respostas exploradas ao longo do capítulo. O que lá diz, não
menciona explicitamente a capacidade da Alma emancipada recordar-se de vidas
anteriores, contudo, é possível se estabelecer algumas analogias.
O Espírito adquire um acréscimo de conhecimentos e de
experiências em cada uma de suas existências corpóreas. Esquece-os, em parte,
durante sua encarnação numa matéria grosseira, mas recorda-os como Espírito. É
assim que certos sonâmbulos revelam conhecimentos superiores ao seu grau de
instrução, e mesmo à sua capacidade intelectual aparente.
Kardec estaria dizendo que a Alma emancipada durante o
sonambulismo/estado hipnótico seria capaz de se recordar de existências
anteriores, tal como ocorre com os Espíritos. Se estivermos certos nesta
interpretação, restaria identificar os limites, dentre os quais a recordação
acontece durante o sonambulismo/Estado hipnótico.
Se a condição da Alma emancipada assemelha-se a dos
Espíritos, por tudo o que já foi dito até aqui, provavelmente a Lei que permite
recordar encarnações passadas seria a mesma para a Alma emancipada e para os Espíritos.
Assim sendo, encontramos Kardec perguntando (q.308, p 174) se o Espírito se
lembra de todas as existências, que precederam a que acabou de deixar. Em
resposta, o Espírito da Verdade disse-lhe:
Todo o seu passado se desenrola diante dele como as
etapas de um caminho que o viajante percorreu. Mas, como já dissemos, ele não
se lembra de maneira absoluta, de todos os atos, recordando-os apenas em razão
da influência que tenham sobre o estado presente. Quanto às primeiras
existências, as que se podem considerar como a infância do Espírito, perdem-se
no vazio e desaparecem na noite do esquecimento.
Assim posto, conclui-se que a Alma, ao se emancipar do
corpo físico e recuperar alguns atributos dos Espíritos, recorda-se apenas do
que influencia, de alguma maneira, o seu estado atual, isto é, sua existência
como Espírito encarnado; influencia, por assim dizer, o fluxo de sua evolução,
fazendo-a vivenciar, nas recordações, sofrimentos a serem superados; sofrimentos
decorrentes de vivências em encarnações passadas e que, sob a Lei do Livre
Arbítrio, foram escolhidos pela própria Alma. Ao recordar-se de seu passado e
das razões que a levaram a escolher os sofrimentos do presente, a Alma fica de
frente com dois caminhos a escolher, o da evolução, ou o do aprisionamento ao
ciclo repetitivo das encarnações.
Bem à frente, no L.E., Kardec preocupa-se com os
Espíritos renitentes, que não se aproveitam da reencarnação para evoluir
moralmente. Assim, pergunta (q.994, p. 398) se o homem perverso reconhecerá
suas faltas depois da morte. A resposta é bastante interessante, podendo
esclarecer alguns pontos sobre o valor da Alma olhar para dentro de si mesma,
recordar e meditar sobre seu passado.
Sim, sempre as reconhece e então sofre mais porque
sente todo o mal que praticou ou do qual foi causa voluntária. Entretanto, o
arrependimento nem sempre é imediato. Há Espíritos que se obstinam no mau
caminho apesar dos sofrimentos, mas cedo ou tarde reconhecerão haver tomado uma
senda falsa e o arrependimento se manifestará. É para esclarecer que os bons
Espíritos trabalham e que vós mesmos podeis trabalhar.
Sem a necessidade de sistematicamente repetir que a Lei
do Livre Arbítrio mantem-se como reguladora das experiências da Alma e do
Espírito, a resposta acima esclarece que, tal como os Espíritos, a Alma
emancipada do corpo físico pode reconhecer suas faltas e os motivos de seu
sofrimento, surgindo a possibilidade de mudar e evoluir moralmente, segundo
suas próprias decisões.
Kardec pergunta (q.1000, p. 399) se podemos nós, já nesta
vida, resgatar nossas faltas. A resposta é cheia de esperança, confirmando
sempre a Lei do Livre Arbítrio.
Sim, reparando-as. (...) O mal só é reparado pelo bem,
e a reparação não tem mérito algum, se não atingir o homem no seu orgulho ou
nos interesses materiais. (...) De que lhe serve, enfim, humilhar-se diante de Deus,
se conserva o seu orgulho diante dos homens?
Assim sendo, a ciência psicológica enriqueceu-se com a
possibilidade de estender a possibilidade de tratamento a todo espectro da
existência do Princípio Inteligente, isto é, dos Espíritos e das Almas. Assim,
sem alterar as técnicas comuns desenvolvidas nos consultórios de psicoterapia, o
paciente se mostra por inteiro durante a emancipação da Alma, como nas palavras
de Kardec transcritas acima.
A possibilidade de se recordar existências passadas passa
a fortalecer enormemente as teorias psicológicas atuais, libertando-as de um
beco sem saída causado pelo materialismo da ciência. Muito além de apenas
superar traumas e desejos proibidos, a psicoterapia em estado hipnótico revela
o passado e os sentimentos que moveram a Alma em diferentes situações, em
diferentes encarnações. De tanto testemunhar seus sentimentos egoístas e
perversos, causadores de seus verdadeiros sofrimentos, a Alma fica diante da
Lei do Livre Arbítrio, podendo decidir se continua sendo como é, ou se
transforma em amor e compaixão, opostos ao egoísmo e à perversão.
Se convencida de que o cerne está na transformação dos
sentimentos, a mudança interna a levará às vivências de amor e compaixão,
compensadoras dos sentimentos negativos repetidos durante suas vivências como
Espírito e Alma. Mesmo longe da Perfeição, transformando-se retorna ao fluxo do
desenvolvimento espiritual, distanciando-se dos sofrimentos causados pela
compulsão à repetição do que a faz sofrer.
REFERÊNCIAS
KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. São Paulo, LAKE
– tradução de J. Herculano Pires.
_____: O Livro dos
Médiuns. São Paulo, LAKE – tradução de J. Herculano Pires.
_____: Obras
Póstumas. São Paulo, LAKE – tradução de Sylvia Mele Pereira da Silva.
BIBLIOGRAFIA DE
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